sexta-feira, abril 30, 2010

Quatro casos e uma conclusão errada - desimpensavel

Do desimpensável compartilhado por Eduardo Coutinho, via Buzz



Segundo a história contada por George Gamow, dois nobres húngaros passeavam por uma cidade quando um deles sugere ao outro uma competição de quem consegue dizer o maior número. "Ok," diz o segundo homem, "você primeiro." Depois de vários minutos de concentração intensa, o primeiro nobre anuncia o maior número que ele conseguiu pensar: "três". Na vez do segundo homem, ele pensa furiosamente, mas depois de quinze minutos desiste: "Você venceu."

A sacada óbvia dessa história é que, nesse jogo, o último a falar sempre pode ganhar. Há sempre um número maior a ser dito. Mas a história fica mais interessante quando a gente pensa que, não importa até onde vão os seus dotes matemáticos, você vai estar sempre numa situação tão ruim quanto a dos nossos heróis húngaros. Qualquer número que você disser vai possuir tantos números maiores do que ele quanto o "3". A isso se dá o nome de infinito.

Corta.

Tirinha de Bill Watterson. Calvin está fazendo uma prova de geografia quando chega na pergunta "qual a importância do Canal do Panamá?". Calvin, depois de pensar um pouco, conclui: "Cosmicamente falando, nenhuma".

Corta.

Virou moda esses sites que ridicularizam o autor de um comentário do Orkut ou do Facebook. Há dois temas recorrentes em sites desse tipo. No primeiro, o autor se confunde com a interface do site e acaba tornando público algum comentário que era pra ser privado, normalmente relacionado a sua vida sexual. Uma versão análoga a "o Pedro gosta da Maria" para pessoas que podem dirigir. Infantilidade sexual define.

No segundo, o autor comete alguma grosseria intelectual, seja escrevendo errado, seja confundindo algum conceito do nosso pequeno universo. Muito comum nesses sites, é a cópia do comentário ser seguida de uma explicação de porque o texto original está errado. Deveria ser desnecessário dizer que se você precisa da explicação, não deveria estar rindo. Mas mesmo que você não precise da explicação, achar algo assim engraçado implica em achar que saber uma coisa faz com que ela seja mais óbvia do que as outras coisas que não se sabe.

Corta.

Segundo o sociopata que atualizou a página da Wikipedia sobre o assunto, bullying são "atos de violência física ou psicológica praticados com o objetivo de intimidar ou agredir alguém incapaz de se defender". Esquecendo os casos anedóticos e as estatísticas (essa estupidez opressora a que chamamos realidade, e que tanto dificulta o pensamento livre) e nos atendo à definição, bullying ser um negócio ruim parece auto-evidente e a prova disso é que o nosso amigo sociopata não achou necessário dizer que bullying é não bom.

Atos de violência por si só não são ruins. Há violência, por exemplo, em se ter de correr mais do que o limite do conforto ou em ter de se expressar numa língua que não se domina. Tirar alguém de sua própria zona de conforto é sempre um ato violento. Educar talvez seja, em algum nível, ajudar o indivíduo a controlar a capacidade dele próprio sair e entrar na sua zona de conforto. (Paulo Freire e Nietzsche se abraçam e choram). É na perda desse controle, nessa incapacidade de defesa, que se encontra a auto-evidência de maldade do bullying.

Corta para a conclusão.

Falo aqui da estratégia através do qual um indivíduo, ao perceber em sua frente algo mais poderoso do que ele, lhe dá as costas e passa a agredir a pessoa que vem logo atrás. Esse ato é executado com o objetivo de escapar de uma relação opressora, através da criação de um micro-mundo em que se pode controlar a relação de forças.

Esticando a idéia da historinha húngara para limites insustentáveis pela seriedade, é como se a resposta que causou a derrota do segundo rapaz fosse a única resposta honesta possível. Frente a incapacidade e impotência com relação ao infinito só nos resta a dignidade da percepção de que estamos na merda, mas que nisso estamos todos juntos. Responder "quatro" fará você ganhar o jogo mas não fará o seu número ser menos insignificante.

De uma maneira análoga, rir de alguém que não entende algum assunto é desonesto. Não porque não existam diferenças de intelecto ou conhecimento. Elas existem. Mas rir da ignorância alheia implica que o seu conhecimento sobre aquele assunto é menos insignificante do que o da outra pessoa.

A fuga para a nova relação opressor/oprimido é reflexo de falta de coragem, pois nos livra da necessidade de enfrentar a coisa opressora e, mais importante, da necessidade de confrontarmos a própria relação de opressão.

Entender a nossa relação com o desconhecido, com o incontrolável ou com o infinito. Compreender nossa própria identidade sexual e as necessidade que nascem desta. Descobrir que nossas relações com os outros e com o mundo não precisam se limitar a relações de opressão. É disso que estamos fugindo. É talvez por isso que estamos nervosamente rindo.


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