quarta-feira, dezembro 10, 2008

Radiohead: duplicar e triplicar

(retirado de http://colunas.g1.com.br/zecacamargo - escrito e publicado por Zeca Camargo (só é pena o link para o artigo de 1997 não funcionar)

(Vem aí Vampire Weekend. Isso não tem nada a ver com o Radiohead, mas como essa vai ser uma das bandas de 2008, achei melhor falar logo dela – assim, quando você começar a ouvir esse nome por aí, por favor, lembre-se de mim (aliás, se quiser já ouvir alguma coisa agora, comece por “Mansard roof”, refresque com “Oxford comma”, e feche com “Apunk”, no MySpace).
Mas vamos lá: Radiohead!)


Antes de mais nada, é importante dizer que, diante de qualquer trabalho deles, nenhum fã da banda – ou mesmo que tem mesmo uma admiração reservada por ela – está livre da influência de “OK computer”. Quando esse CD apareceu, em 1997, o impacto foi tão grande que as reverberações podem ser ouvidas até hoje (parece que já chegaram em Saturno!). “OK computer” era (e é) tão genial, tão diferente, tão inesperado, tão honesto, um tapa na sua cara tão forte, que uma simples escutada contínua era capaz de deixar marcas permanentes em quem a ele emprestava seus ouvidos.
Eu, claro, não fiquei imune a isso – como pude checar novamente ao reler uma resenha sobre o disco, que fiz então. E durante todos esses anos, desde 1997, fui tomado por uma espécie de sebastianismo (Wikipédia – rápido!), aguardando o retorno messiânico “daquele” Radiohead. “Kid A”? Muito bom – nem que fosse pelos 4 segundos que abrem “Everything in its right place” (tudo, de fato, no seu devido lugar… que petulância começar o disco mais esperado do final do século 20 com aquelas notas glaciais!); ou simplesmente pela faixa mais injustamente esnobada por todos os DJs do mundo, “Idioteque”. “Amnesiac”? Mais um título sensacional, mais uma capa enigmática, mais um punhado de faixas desafiadoras – mas ainda longe de algo que pudesse encostar “OK computer”. “Hail to the chief” chega em 2003 e, como indicava a sua primeira faixa (“2 + 2 = 5”), suas partes não somavam muito bem: momentos belíssimos entrecortados por sonoridades confusas – um provável truque perverso do próprio Radiohead, como se a banda estivesse dizendo indiretamente aos fãs: “ainda não é isso, mas estamos tentado – e com afinco!”.
A cada um desses lançamentos, eu voltava para “OK computer”, só para ter a certeza de que ele continuava imbatível. Perguntava: seria possível mesmo superar aquele conjunto? A elegância de “Karma police” coexistindo com o desespero de “Let down”? A tempestade cerebral de “Paranoid android” anunciando a calmaria quase bucólica de “No surprises”? O conceitual-cabeça de “Exit music (for a film)” com o sensual-épico de “Airbag”? E a conclusão era sempre a mesma: “OK computer”, ainda na frente.
Entra, então, “In rainbows”. Oficialmente, ele chegou dia 10 de outubro do ano passado – um lançamento comentadíssimo, não apenas por ser exclusivamente virtual (o disco só estava disponível para ser “baixado” pelo site da banda), mas também pela proposta inovadora de deixar para os fãs a decisão de quanto eles deveriam pagar pelo prazer de ter o álbum em seu arquivo pessoal. Muito se falou dessa nova abordagem na relação artista e público (com o item “gravadora” perversamente fora da equação). Foram matérias e matérias com previsões abstratas sobre o futuro da indústria fonográfica e especulações vazias sobre quantos (e quanto) fãs pagaram de fato por “In rainbows” – estimativas bem “chutadas” colocam o “preço” médio do trabalho entre R$ 10 e R$ 16.
Este post, porém, não vai acrescentar nada a esse debate – desculpe. O que vem a seguir é um comentário à moda antiga… Como os próprios formatos para consumir música estão mudando, as maneiras de analisá-la também se renovam. Mas, se o Radiohead insiste num “velho” conceito chamado “álbum”, acho melhor acompanhá-los na intenção com uma crítica do disco. “Ah”, dirão os mais engraçadinhos, “por que você não fez isso em outubro?”.
Primeiro porque, como um bom quarentão, ainda tenho reservas quanto a “baixar” qualquer coisa da internet – mesmo que seja autorizada pelo autor (reparou as aspas no verbo “baixar”?). E, também como um bom quarentão, ainda gosto da minha música servida num CD – ou num vinil. Aliás, no caso de “In rainbows”, pude me empanturrar com os dois formatos: comprei, logo no dia primeiro de janeiro – quando já estava disponível nos Estados Unidos – a versão “metida” do álbum: o CD oficial, o CD de bônus (mais oito faixas inéditas, 26 minutos e 53 segundos fesquinhos!), um livreto com as letras, um “livrão” só com arte (fotos e grafismo, assinados por Stanley Donwood, colaborador de longa data da banda), e dois discos de vinil, com as dez faixas impressas em 45 rotações por minuto (pergunte ao seu tio o que significa isso).
Não posso, de fato, reclamar: ouvi “In rainbows” de tudo quanto foi jeito. Assim, aqui está o veredicto.
Não é um “OK Computer”. Mas também eu não tenho mais “só” 34 anos; nesses dez anos, já dei uma volta ao mundo e escrevi três livros; o cenário musical – brasileiro e internacional é outro; já passamos pela revolução do iPod; as Torres Gêmeas desabaram; o “BBB” chegou à oitava edição; o biocombustível não é mais uma alternativa, mas uma salvação; Britney Spears circulou uma dúzia de vezes o ciclo de ascensão e queda de uma celebridade; o mundo reconheceu a inventividade do cinema brasileiro; “mensalão” já veio e já foi como se nada tivesse acontecido; Los Hermanos apareceram, gravaram quatro discos e entraram em um hiato; e “esse” Radiohead já não é “aquele” Radiohead.
Esse pequeno panorama é, claro, uma mera alegoria apenas para lembrar que as coisas mudam, e que, sebastianismos à parte, não faz o menor sentido esperar por um novo “OK computer”. Deixei claro? Inclusive para mim mesmo? Acho que sim! Dito isso… “In rainbows” é sensacional – e se eu tiver de explicar esse adjetivo em apenas uma frase, vou pegar emprestado o verso de uma das faixas novas do próprio Radiohead (“Faust arp”): é exatamente “o que você sente agora”. Elaborando: da bizarra batida “disco” que abre o álbum (“15 step”) ao pseudo-reco-reco hipnótico que marca seu final (em “Videotape”), todo o conjunto de músicas é a tradução mais eficaz de tudo que você deveria sentir agora – e não apenas com seus ouvidos…
Um rápido faixa-por-faixa: do estranho convite à dança de “15 step” você é levado a um brilhante arremedo de u2 em “Bodysnatchers” – que na verdade é uma releitura de PIL pelo olhar sempre assustador de Thom Yorke; as coisas ficam mais calmas e chamam à reflexão em “Nude”, só para pegar um pouco mais de ritmo em “Weird fishes/Arpeggi” (achou o título estranho? Você não viu nada…), onde, dessa vez, o arremedo é de Coldplay – ou melhor, é o Radiohead mostrando como o Coldplay deveria ser desde o início; quem procura uma canção de amor, o mais próximo que eles têm a oferecer nesse disco é a música seguinte, “All I need”; aí surge “Faust arp” – e você finalmente se lembra por que se apaixonou (pela banda ou por uma pessoa qualquer) pela primeira vez (mais sobre essa faixa daqui a pouco); “Reckoner” é o momento mais distante do trabalho, mas quem se sente afastado logo é reconquistado com “House of cards” – uma bossa nova futurista, se é que eles alguma vez pensaram em gravar uma coisa assim (alerta “Bebel Gilberto” em potência máxima!); depois vem “Jigsaw falling into place”, cujo nome (mais ou menos, “Quebra-cabeças encaixando no lugar”) funciona como uma senha para entender o disco todo (musical e poeticamente); e o disco fecha com a aparentemente inofensiva “Videotape” – “aparentemente” porque você não dá nada na primeira vez que ouve, mas de perto, ela é a segunda melhor faixa de “In rainbows”, na minha humilde opinião.
E qual seria a primeira? Disparado, “Faust arp”. Passar aqui, num texto, a sensação de ouvir essa música é um exercício de frustração. Mas, como eu sou teimoso (e fiquei particularmente encantado com essa canção, que não parece fazer o menor sentido, mas que é simplesmente perfeita), vou tentar: numa melodia tão delicada e ao mesmo tempo coesa, que parece feita de fios de uma teia de aranha, as frases musicais se sucedem de maneira tão natural que nem parecem que foram compostas uma a uma – é como se a faixa tivesse nascido pronta, inteira, indivisível; a voz de Thom York reescreve palavras como “tingling” e reinventa expressões como “on again off again” – tudo dentro de uma de suas poesias mais inspiradas, com imagens intensas, que enchem os olhos pelos ouvidos e, sem nunca romper a fragilidade da canção, explodem como as tintas que ilustram o livreto do CD: um corpo morto do pescoço para cima, um elefante tropeçando na sala, alguém que cai como dominós fazendo belos desenhos no chão; e tudo isso duplicando e triplicando, duplicando e triplicando…
Esse comando – que é também um verso de “Faust arp” e que emprestei para o título deste post – é, para fãs como eu, uma leitura do desejo eterno de que sempre exista música boa no mundo. Talvez não tão boa quanto à de “OK computer”… mas bela o suficiente para nos inspirar por muitos e muitos anos. E quem melhor que o próprio Radiohead para desejar isso?


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