segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Arte de criar e transmitir boatos

 Tiago Dória Weblog recolhido via Buzz do Eduardo Coutinho

Desde 2005, divulgar boatos dá cadeia na Índia. Nicholas DiFonzo, professor de Psicologia do Instituto de Tecnologia de Rochester (RIT), em Nova York, gosta de utilizar esse exemplo para demonstrar a importância que os boatos têm em nosso dia-a-dia.
A lei indiana foi criada depois que um rumor sobre um possível tsunami mobilizou, sem necessidade, centenas de pessoas e desperdiçou milhares recursos de ajuda para catástrofes.
Apesar de terem essa capacidade de mobilização, boatos e fofocas não são alvo de extensas pesquisas. Assuntos mais nobres ganham destaque. DiFonzo vai pelo caminho diferente. Há mais de 16 anos ele estuda a comunicação informal – boatos, fofocas e rumores. O famoso “ouvir dizer”.
Enfim, tudo aquilo que, nas empresas, nasce na máquina de café. Máquinas de café não fazem apenas café, mas produzem boatos. É onde acontecem as conversas informais, onde todo mundo fica sabendo quem fez isso ou aquilo.
Boatos sempre estão presentes onde há duas ou mais pessoas juntas, lembra DiFronzo em seu livro “O Poder dos Boatos” (304 páginas/Editora Elsevier), que reúne parte de suas obervações na área. O livro se destaca por mostrar que os boatos têm valor. Eles surgem da necessidade humana de tentar explicar o inexplicável. Não é sem motivos que eles crescem justamente em época de incertezas e ansiedades – tragédias e grandes mudanças.
Em outras palavras, boato nada mais é do que uma tentativa de dar respostas às nossas dúvidas. É uma forma coletiva de compreender o mundo. Boatos ajudam as pessoas ao dar uma explicação pronta.

DiFonzo cita o caso de um acidente em uma pequena cidade dos EUA. Um carro com quatro estudantes bateu de frente com um caminhão. Todas morreram na hora. Haviam acabado de se formar no colégio e estavam para entrar na faculdade.
Sem explicações lógicas para o caso, uma tragédia terrível, os boatos começaram a surgir na comunidade.
Eram tentativas de entender algo tão trágico, várias versões para o mesmo caso começaram a aparecer. De que o motorista do caminhão havia acelerado, um terceiro carro havia fechado o das estudantes. Defeito técnico no veículo das vítimas. Sempre eram “explicações” que tentavam inocentar as garotas.
Depois, descobriu-se que o problema foi o uso do celular ao volante. Segundos antes do acidente, a estudante que dirigia o veículo havia recebido e enviado mensagens pelo celular.
É, justamente, quando DiFonzo demonstra esse valor dos boatos, ele ajuda a quebrar mito de que caem em boatos somente pessoas ignorantes e que têm pouco conhecimento dos processos de produção da informação. O que não é verdade, jornalistas, acadêmicos, CEOs, por exemplo, acreditam e propagam boatos o tempo todo.
Quem acompanha os twitters destes perfis, já deve ter percebido que, na pressa e necessidade de “serem relevantes”, semelhante a qualquer pessoa, eles caem em pegadinhas e propagam, muitas vezes sem perceber, informações sem nenhuma base fatual.

Mas por que isso acontece? Segundo DiFonzo, simplesmente pelo fato de que transmitimos boatos devido a diversos motivos. Classe social, profissional ou nível intelectual é o menor deles.
Espalhar boatos é algo humano. Propagamos para entender uma situação e, desse modo, tomarmos decisões mais eficazes. Quanto mais um boato atende às nossas premissas anteriores,  mais o espalhamos, sem remorso, para as nossas redes de contatos. Mais o achamos que é verdade, mesmo sem checar nenhuma das informações.
Pessoas que não gostam de um político, por exemplo, tenderão a propagar e acreditar em boatos negativos sobre ele. Pessoas que não acreditam que a Terra é redonda, mais facilmente propagarão boatos de que a Terra é quadrada.
Além disso, espalhamos informações para criar laços mútuos ou passar a impressão de que “estamos por dentro”. Um exemplo citado é o “vírus do ursinho de pelúcia“.
Em algum momento, alguém deve ter recebido o email sobre um suposto vírus alojado no Windows e que tinha o ícone de um ursinho de pelúcia. O famoso “jdbgmgr.exe“. DiFonzo constatou que muitas pessoas propagaram o boato simplesmente para passar  a impressão de que estavam por dentro das “últimas tendências da internet”.
O Poder dos Boatos” é um livro bem didático. Repete várias vezes a mesma ideia, usa vários exemplos. E é aí que pode estar uma característica do autor, não se aprofunda muito nas ideias. Não é detalhista, fornece mais um panorama geral sobre o asssunto.
Percebe-se isso no penúltimo capítulo, quando DiFonzo pretende dar dicas para empresas sobre como administrar boatos. O autor fica na superfície das coisas e fala sobre o comum.

O pesquisador acerta ao explicar outro motivo por que espalhamos, sem querer, boatos. É para não sermos esquecidos no meio da multidão.
Adaptado ao momento atual, na ânsia de ficar sem assunto, sem atualizar o nosso perfil no Twitter e, assim, perdermos seguidores, acabamos propagando a primeira informação que vemos pela frente.
Em outras palavras,  hoje em dia, como nunca antes, as pessoas precisam de assunto para atualizar seus blogs, twitters e perfis em redes sociais, o que as torna facilmente propagadoras de boatos e rumores.
E sim, a internet ajuda a espalhar boatos, não por causa da sua caratecterística de dar rapidez às trocas de informação, mas, antes de tudo, pelo motivo de ajudar a polarizar as discussões. Segundo DiFonzo, em vez de trazer diversidade, a internet tem facilitado a polarização das discussões. O exemplo se dá no campo dos blogs, que, geralmente, trocam informações e fazem links somente a outros que seguem a mesma ideologia.
Blogs conservadores de política fazem links e trocam informações com blogs conservadores.  Blogs liberais trocam links com blogs também liberais. No Twitter, seguimos apenas pessoas que pensam como a gente. Dificilmente, seguimos ou “retuitamos”  alguém que produz algum tipo de ruído ou publica algo que não gostamos.
Com as ferramentas de personalização, segmentação de conteúdo, a internet torna-se propícia para evitarmos o contraditório, o que também a transforma em terreno fácil para boatos.
DiFonzo justifica essa premissa relatando pesquisas que comprovam que quanto mais polarizado o ambiente, mais fácil os boatos se espalham e menos a sua veracidade é checada. Isso acontece principalmente se os boatos forem repletos de julgamento contra a parte oposta.
Boatos negativos contra democratas, por exemplo, circulam melhor em ambientes republicanos. Boatos racistas circulam melhor em ambientes contra negros. Boatos contra judeus circulam facilmente em ambientes antisemitas, altamente polarizados.
Enfim, quando as partes não se falam, mais boatos são criados e propagados.
Porém, não estamos no fim do mundo.
A internet é uma faca de dois gumes. Por outro lado, ela pode ajudar a desvendar boatos, várias pessoas podem trocar/checar/discutir as informações contidas em um rumor e, dessa forma, em pouco tempo descobrir a sua veracidade. Inteligência coletiva em meio à incerteza.
Existem vários sites de audiência garantida que funcionam como “caçadores de boatos”, como o Snopes e oHoaxBusters. Grandes empresas começam a criar em seu sites centrais de boatos, nas quais levam ao público esclarecimentos sobre certos rumores a respeito de seus produtos e serviços. Algo impensável antes.
Afinal, hoje todos nós potencialmente podemos checar a veracidade de um boato. Podemos fazer isso não por que queremos ser “jornalistas”, mas simplesmente devido ao mesmo desejo humano pelo qual criamos e propagamos boatos, fugir da incerteza sobre qualquer assunto.


Crédito das fotos: LivefaChough, DesireeDelgado, Missbehave e divulgação


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