quarta-feira, novembro 21, 2007

EXISTENCIAL

'Tava aqui, ouvindo o Nelson:


Sei que amanhã, quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha bom coração

Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro, um violão

Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora

Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça, agora

Me dê as flores em vida
O carinho, a mão amiga
Para aliviar meus ais

Depois, quando eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade,
Quero preces e nada mais.



Então me lembrei de filme que eu assisti há muitos anos atrás, eu não me lembro o nome (infelizmente pois gostaria de assistir de novo, depois de tanto tempo). Este filme tinha uma estrutura bastante utilizada em filmes nos fins dos anos 80. Uma narrativa caótica sobre a vida de diversos personagens aparentemente desconexos, cujo vinculo entre eles vai se descortinando ao longo da história, só sendo possível entender o centro da narrativa ao fim do filme.

O que me chamou muito a atenção neste filme, ( e também a provável ligação mental que fiz com a música do Nelson) foi um diálogo que acontece do meio pro final do filme. Um dos diversos núcleos do filme é formado por diversos velhinhos que se conhecem (alguns amigos, outros nem tanto - cheios daquelas rivalidades que aparecem em qualquer grupo social). Estes velhinho vão morrendo ao longo da história. O diálogo que fixou este filme em minha memória ocorre exatamente entre um desses velhinhos seu interlocutor (que não me lembro se também era um velhinho) no dia seguinte ao funeral de um outro velhinho. Nesta conversa o homem revela ao seu ouvinte a sua preocupação com o próprio velório, pois as pessoas que ele acreditava que compareceriam estavam morrendo antes dele. O outro personagem, acha a preocupação um tanto descabida, afinal o velório só aconteceria depois da morte, momento em que não haveria motivos para se preocupar com quem seriam os espectadores do próprio enterro. O velhinho retruca que chega uma certa idade na vida, que a maior preocupação de sua vida é exatamente esta, quantas pessoas irão ao seu enterro. Dentro do filme filme esta preocupação do personagem revela varias nuances, uma vaidade (não querer que em seu próprio enterro estejam menos pessoas que no de um rival dentro do seu grupo social) e uma auto afirmação (querer demonstrar para seus descendentes o quanto a sua vida marcou a de outras pessoas).





Com essas duas formas de lidar com o próprio passamento, na cabeça, fiquei com vontade de falar alguma coisa a respeito das preocupações que eu mesmo tenha com o tema.

O difícil é que as duas formas antagônicas que me serviram de inspiração tem sua validade poética que admiro, mas não são aplicávei a minha realidade e a minha personalidade.

Eu faço questão de agir com as outras pessoas de acordo com a música do Nelson. Meu sangue italiano, além da minha postura nada politicamente correta sobre a vida, me faz demonstrar até com efusividade não recomendável, para o bem e para o mal o meu sentimento sobre tudo e todos a minha volta. Este comportamento meu faz com que, de cara as pessoas tenham liberdade de fazer o mesmo comigo, e num segundo momento, quase que as obrigam a agir da mesma forma que eu em relação a elas se houver um aprofundamento no relacionamento. Assim não tenho como me preocupar com farão por mim em vida ou na morte, por que quem interessa faz em vida.

Por outro lado não tenho descendentes a quem mostrar nada, alem disso com meu jeito completamente transparente, por vezes espalhafatoso e minha fidelidade canina para com os meus, fazem com que todos a minha volta enxerguem os meus relacionamentos de forma bastante clara, sendo muito fácil observar suas profundidades, suas virtudes e defeitos. Assim não tenho nada mostrar, nem para familiares, nem para amigos, nem para desafetos, após minha morte.

Assim sendo não me cabe preocupações acerca de como as pessoas com quem me relaciono proximamente viveram o luto pela minha perda, discorrerei eu então sobre o resto do mundo... as pessoas com quem não me relaciono proximamente, e com eles me preocupo deveras....


Veja o exemplo dos diversos donos de botecos que eu frequento, com minha ausência é provável que eles fiquem mais suscetíveis a aceitar as propostas ridículas dos vendedores da AMBEV, que só pensam em vender aquela água suja da skol, este processo que já acontece nos botecos que não frequento pode iniciar timidamente, mas se não encontrar a resistência de ferrenhos defensores da Brahma leverá a diminuição da sua oferta e quiçá a por fim a sua retirada do mercado ou seu renascimento como já aconteceu com outras marcas, do tipo lançamento da nova Brahma, com nova fórmula, novo sabor (igual ao daquela água amarela que já falei). Coitados dos bons bebedores, menos esclarecidos e menos intolerantes do que eu. Mais grave ainda pode ser ( o que eles já tentam com todas as forças há muito tempo) fechar exclusividade de fornecimento de bebidas inclusive refrigerantes. Pois não estarei lá mais para exigir a Coca-Cola.

A Coca-Cola Company com certeza será a pessoa jurídica que mais sentirá minha falta, não só pela incrível quantidade deste precioso liquido que consumo, mas por toda relação que tenho com ele. No dia seguinte a minha morte as vendas caíram, primeiro porque as minhas compras não mais se realizarão, depois as pessoas a minha volta não sofreram mais a influência de me ver beber este fantástico refrigerante com todas as feições transparecendo o imenso prazer que ele me dá. Sem esta influência positiva eles provavelmente não se sentiram induzidos desfrutar da mesma realização e não haverá a multiplicação dos consumidores através da imagem inequívoca do prazer auferido. A diminuição dos pontos de venda da qual já falei é o segundo passo deste processo de derrocada da empresa.

Haverá logicamente uma reação. Executivos de Atlanta tentarão reverter o processo ou pelo menos confiná-lo a região geográfica menor possível, serão vistas novamente propagandas excelentes "Coca-Cola é isso aí" músicas com ícones bacanas da musica pop, serão ressuscitados personagens importantes cridos pela empresa para a popularização do produto, como aqueles urso polares, e o Papai Noel vai acabar fazendo hora extra o ano inteiro para tentar evitar a queda nas vendas.

Todas essas ações de Marketing elevarão os custos da empresa, e no fim o produto ficará mais caro e o processo de diminuição do market-share da empresa retornará ainda mais fortemente. Com menos mercado começa o fechamento de fabricas, primeiro nos países de mão de obra mais cara e chegando por fim a China, neste momento a bancarrota da empresa estará completa. Milhões de pessoas desempregadas pelo mundo, a marca Coca- Cola ( a terceira mais valiosa do mundo, atrás de Pelé e Mickey Mouse) vendida a uma fabrica de io-iôs da Índia, que logo vai falir também pois não existirá mais aquelas promoções de empresas de refrigerantes para escoar a produção.

O mundo chegará então a um impasse terrível muitas pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza sem empregos e sem o prazer fácil de uma Brahma, ou mesmo de uma Coca-Cola, é inevitável a ocorrência de convulsões sociais, guerras civis em princípio, depois conflitos internacionais, hecatombe e fim dos tempos.

A vida não será fácil depois que eu me for. Ainda bem que eu já não estarei aqui para ver isso. Sorte pra quem fica.


ED


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