segunda-feira, setembro 17, 2007

NATÁLIA


Como dedicatória, em cada livro estava escrito: " Sou um cara bonito, bacana, inteligente, e só lhe ofereço este presente porque quero me casar com você, ou ao menos lhe comer". Não sei de onde lhe veio a certeza de que as mulheres não resistiriam a uma proposta tão direta, à uma frase tão incomum e "espirituosa". Mas o fato é que algumas realmente iam na dele e realizavam parte de seu desejo. Com a Ana, com a Mônica, com a Angélica, por exemplo, aconteceu assim. Elas adoraram o tom da dedicatória, e levando em conta um certo charme do rapaz, despiram-se e foram penetradas sob agradáveis noites em carro, motéis ou na rua. Contudo, nenhuma delas quis ir além, nenhuma entendeu seu principal objetivo, donde concluiu que talvez todas fossem iguais, e que jamais lhe seria concedida a graça do matrimônio. Ele andava triste por conta disso. Lamentava-se em botecos, no trabalho, e às vezes até chorava no colo da mãe. Sua esperança agonizava. Chegou até a pensar em suicídio. Nada sério, porém. Depois de analisar direito e constatar que o mundo era muito maior do que as desilusões experimentadas, decidiu tentar novamente. Formou a idéia de que melhor seria continuar vivo do que lançar-se prédio abaixo ou afogar-se com pedras amarradas nos calcanhares.

Certa noite, num bar do centro da cidade, enquanto discorria veementemente sobre sua precisão matrimonial, uma mulher, aparentemente vinda de lugar nenhum, aproximou-se e o cumprimentou com um irresistível piscar de olhos e com um sutil porém excitante mover de língua nos lábios. A moça era extremamente bela e parecia conter em si características de distintas mulheres: pele morena e seios fartos qual uma espanhola, olhos pretos e amaneirados como uma mineira, plena sinceridade e sorriso solto de uma baiana...O rapaz, que não era do tipo desprevenido, imediatamente sacou um dos livros que levara consigo: A noite na Taverna, do Álvares de Azevêdo. Não era de se estranhar que a escolha recaísse sobre tão obscura novela. Há três anos, por exemplo, dera de presente a uma secretária o Eu, poemas do Augusto dos Anjos; noutra feita, concedera a uma médica o Breviário de Decomposição, do Cioran; mês passado fora o Anticristo, do Nietzsche. Tanto seus presentes como sua dedicatória eram uma extensão de sua peculiar personalidade, de sua singular forma de tratar as mulheres e as pessoas em geral.

Depois de a moça receber o livro e olhar nos olhos do rapaz, comentou com sarcasmo: "Em primeiro lugar, meu verdadeiro nome é Natália. Não dou qualquer importância ao casamento. E se de vez em quando pratico a luxúria, é apenas para gozar no meu corpo, e rir da cara de homens como você". Ela não hesitou em rasgar as páginas do livro na frente dele, no compasso de um estridente e demoníaco sorriso. Diante dessas palavras e ações inusitadas, algo de fundamental aconteceu ao rapaz, e ele sentiu um extraordinário arrepio em todo o corpo; o coração dava cambalhotas e ao mesmo tempo chorava dentro de seu peito. Havia encontrado o que tanto procurara. Enfim sua busca tinha chegado ao termo, e seus sonhos, ao paraíso. Ele apaixonava-se terrível e mortalmente à medida que a Natália prosseguia: "Eu sei como você é. Sei como se comporta a espécie de homens da qual você faz parte. Preste atenção, moço: Eu não me enquadro em nenhuma casta de mulher. Eu sou a mulher, compreende? Eu sou todas as mulheres, tenho tudo que preciso, tudo que outras mulheres querem, tudo o que os homens procuram. Eu sou a Natália. Não tenho medo de nada. Posso fazer de qualquer homem um rei, um facínora ou um mendigo. Sei de tudo. Mas quanto a você, ainda não decidi o que fazer".

Nesse momento o rapaz já não sabia de si. Não tinha mais nada que lhe chamasse a atenção. Somente a mulher, somente ela. E ele se ajoelhou, como um miserável pecador, e com as mãos erguidas suplicou à Natália que fizesse qualquer coisa, qualquer uma, pois não havia mais escolha, ele já lhe pertencia para sempre. Todo a gente do bar parou para olhar aquela cena tão exótica. Mas ele não se importava. Depois de tanto tempo e de tantas tentativas, havia chegado o dia, o seu dia, o dia do seu encontro. Natália continuava sorrindo. No entanto, na sua face morena, um traço de carinho demonstrou que ela havia decidido o que fazer: "Começo a gostar de você. É lindo vê-lo dessa forma, tão inocente e perdido. Minha compaixão faz com que eu lhe conceda uma ajuda. Vou lhe ajudar, menino carente, vou lhe dar tudo o que sempre sonhou, e sua tortura acabará, você será intensa e inimaginavelmente feliz durante um tempo. Não obstante, devo-lhe lembrar que somente por uma noite é que serei sua. O conforto que lhe darei será a minha imortalidade em seu sono". O moço estava trêmulo. Não conseguia dizer absolutamente nada. Fora por ela, fora por esta mulher que percorrera todos os corpos possíveis. E eis que num bar qualquer, diante de bêbados e boêmios sem lar, ele sente a cruel paixão da vida; vê com os próprios olhos a síntese do feminino, a mãe, da mãe, da mãe, de sua mãe, a fêmea primeira e fundamental.

Foi a mulher quem o chamou para saírem daquele lugar. Ao que ele simplesmente obedeceu. Todo o bar observou enquanto os dois caminharam abraçados pela rua. No dia seguinte, o assunto do botequim foi a impressão que tiveram quanto ao abraço: era como se a moça tivesse tomado completamente o rapaz, e o envolvesse de tal modo, que nenhuma outra coisa existiu no mundo além daquilo.

Pararam num lugar não muito distante. Entraram num prédio velho e sem elevador. Subiram três pedaços de escada e enfim chegaram, chegaram à casa de Natália. Havia pouca coisa naquele pequeno apartamento de sala, cozinha e quarto. A mobília era constituída de uma cadeira de balanço (daquelas bem antigas), três quadros abstratos na parede, e de uma bonita cama de casal com lençóis vermelhos. No entanto, o moço não prestou atenção em quase nada. Do objeto em cima da cadeira, seus olhos passaram longe. Ele apenas seguiu a mulher na direção do quarto. Ela lhe disse para se deitar, enquanto retirava toda a roupa; realmente era como uma linda espanhola; verdadeiramente parecia que todas as mulheres moravam ali naquele corpo, especialmente as mais bonitas e sensuais. O rapaz permaneceu deitado, enquanto ela fez todo o trabalho noite adentro: foram gemidos bestiais, gozos descontrolados, sensações divinas e infernais; por mais de três horas ele sentiu todo o mundo num canto só; sua alma parecia dizer que o destino estava cumprido, que tudo o que tinha de ser feito aconteceu. Ao final do amor, de cansado ele adormeceu, sonhou, gozou de novo envolvto em imagens e gemidos, e foi despertado com uma doce voz dizendo-lhe ao ouvido: "É chegada a hora, meu homem".

Ele abriu os olhos, e preguiçosamente atendeu à moça, que lhe disse para ir para a sala. O rapaz estava nu, e ainda não havia acordado por completo. A mulher vestia uma camisola da cor da pele, o que dava a impressão de também estar nua. Ele olhou com todo o seu coração para aquele negro cabelo e para aqueles grandes lábios vermelhos, que lentamente balbuciaram uma frase...O rapaz pensou em desistir, mas logo se lembrou da sentença: "apenas por uma noite e para sempre no seu sono". Um outro arrepio, agora muito mais sombrio e violento, lhe assaltou o coração. Era a sua despedida. Mansamente, como um cão obediente, que abocanha um pedaço de carne podre, ele caminhou até a cadeira, abaixou-se e catou o objeto, conforme a ordem que recebera. Uma lágrima lhe feriu o rosto. Ele fechou os olhos e respirou profundamente. O revólver caiu no chão no mesmo momento em que a moça passava o batom vermelho na boca, arrumando-se para ir embora. Segundos depois, ela passou sem olhar para baixo, deixou a porta aberta, desceu as escadas e desapareceu na rua.




2 comentários:

ED disse...

P. que soco na cara.

Futuro triste vislumbra você pra mim...


Mas comum olhar masi positivo lhe digo, essa idéia dos livros om dedicatória é sensacional, vou aderir...

Moisés disse...

kkkkkkk. liga não, Ed, trata-se de ficção. Tua idéia do blog aberto foi genial. Já linkei lá no abrigo. Espero retornar a escrever por aqui.
grande abraço, bro