segunda-feira, março 29, 2010

Armando Nogueira para a Revista Imprensa

Divulgação
Nogueira

Armando Nogueira fez história no jornalismo brasileiro. Com 60 anos de carreira, levou para os jornais um jeito único de falar de futebol e marcou o jornalismo televisivo ao ajudar a criar o programa "Jornal Nacional" e "Globo Repórter". Consagrado cronista esportivo, Nogueira é admirado e respeitado por seu trabalho e foi uma verdadeira referência jornalística para inúmeros profissionais da área.
Alice-Maria Reiniger, hoje Diretora de Desenvolvimento de Programas Especiais da Globo, trabalhou com Nogueira por anos e, em março de 2009, quando foi homenageada pelo Troféu Mulher Imprensa por sua colaboração ao jornalismo, Alice-Maria destacou a importância do colega em seu trabalho. "O principal responsável pela minha formação, no entanto, foi o Armando Nogueira, que, com uma história de sucesso na imprensa escrita, aceitou o desafio de implantar o telejornalismo na Globo. Ele chegou à TV Globo no dia 1 de setembro, como Diretor de Jornalismo. Eu, no dia 30 de setembro, como estagiária. Eu não conhecia o Armando pessoalmente. Foram mais de 20 anos de trabalho diário e uma amizade para sempre", contou à reportagem de IMPRENSA.
Morto na manhã desta segunda-feira (29), no Rio de Janeiro (RJ), Nogueira é autor de dez livros, todos sobre futebol, e mantinha coluna reproduzida em mais de 60 jornais brasileiros. Durante sua carreira foi parceiro e colaborador de IMPRENSA e desde o primeiro ano da revista, em 1987, o jornalista já era citado e aparecia nas páginas da publicação.
Alguns anos mais tarde, tornou-se colunista de IMPRENSA. "Assim, sentimo-nos felizes em poder anunciar, a partir desta edição especial de aniversário, a estreia de novos profissionais que vêm reforçar nossa equipe de colunistas", anunciou em editorial Dante Mattiussi, então editor de IMPRENSA, em setembro de 1994. Nogueira estreou a coluna "Prosa e verso" com o texto "Não tem salário. Culpa da rainha Elizabeth". Confira no fim da postagem a íntegra da coluna.
Além disso, IMPRENSA abriga outros registros e comentários de seu trabalho. Veja a seguir, alguns trechos de matérias que citam Armando Nogueira, assim como fragmentos de textos do jornalista.
TELEVISÃO/JORNAL NACIONAL
Diz o provérbio chinês que "uma boa imagem vale mais que mil palavras". Até pode ser verdade, mas se o chinês do provérbio aparecesse um dia numa redação de televisão talvez sentisse o tamanho do estrago que sua máxima provocou na cabeça dos telejornalistas (...). É bobagem dizer que a palavra prejudica a imagem. Pois é justamente na televisão que a palavra, por ser falada, realiza plenamente o seu poder mágico. Voltaire já dizia que o que entra pelos ouvidos vai direto ao coração. Naturalmente, estamos falando de uma mensagem em que as expressões visual e verbal se juntam, com harmonia, formando o casamento perfeito entre a imagem e a palavra. (...) E, encerrando nossa conversa, vamos retocar o provérbio chinês. Para o bem do telejornalismo, passa a ser assim enunciado: 'Uma boa imagem vale mais...Com uma boa palavra. (setembro de 1990)
O Armando Nogueira dizia que o "Jornal Nacional" era como um boeing: decolou, está sujeito a panes tanto de quem está em terra quanto de quem está no ar. Claro que, no caso de um erro, a gente perde um pouco a naturalidade. (Cid Moreira em matéria publicada em setembro de 1992)
PALAVRA
Juvenal Antunes foi o poeta da minha infância. Vivo, estaria fazendo 100 anos. Na voz dele, descobri o encanto musical das palavras. Tinha eu dez pra onze, se tanto, quando ouvi, pela primeira vez, alguém recitar versos de amor. Era ele. Declamava no meio da rua, em plena luz do dia. Trovador de sol a pino. Me lembro como se fosse hoje : uma mesinha de madeira, um copo, um guarda-sol desbotado, em frente da hospedaria. Ali, sentadinho, Juvenal passava o dia. Sempre de pileque. Bebia - fiquei sabendo mais tarde - o meu amado poeta gim com vermute. O traje, nunca o vi com outra roupa: só usava calças de caroá , chinelos surrados e um robe florido, cheio de manchas. Respingo do trago favorito e companheiro. (Outubro de 1994)
MORTE DE HERON DOMINGUES
Rimos muito no jantar, relembrando incidentes de redação que nunca chegam ao telespectador. Uma noite, Heron saiu com a mulher para uma festa de traje a rigor . De repente, terremoto na Nicaragua. O jantar elegante simplesmente dançou porque o velho repórter preferiu esperar a primeira radiofoto da tragédia, que só chegaria muito tarde . Na madrugada, a cena era esta: Heron, de plantão no estúdio, pronto para dar a extra, e Helena, a mulher dele, dormindo de vestido longo num surrado sofá da redação. Heron Domingues me deixou na calcada da minha casa, as duas horas da manha. Estava contente como um "foca" que acabasse de ver publicada no jornal a sua primeira reportagem. Três horas depois, Alice-Maria me telefona: Heron Domingues acaba de morrer. Morreu do coração. Fui encontra-lo na Capela Real Grandeza. A mascara da morte mal se insinuava no perfil ja saudoso de Heron. Aos amigos que chegavam, ele ia dizendo, em primeira mac), na linguagem silenciosa de um rosto serenado, que tivera uma morte cordial. (Julho de 1988)
ELEIÇÕES
Os jornalistas distorciam os fatos porque estavam engajados na campanha do Lula; houve entrevistas em que esperavam o candidato cantando a canção da campanha dele". Segundo Nogueira, houve também uma tentativa de 'noticiar que Collor estava fazendo acertos políticos, enquanto Lula fazia acordos'. A palavra acerto, para ele, tem uma conotação de coisa por baixo do pano, 'então, estabeleci que os dois candidatos faziam acordos'. Para Armando Nogueira, 'muitos colegas jovens deixaram-s e trair pela paixão partidária, o que afetou - e afeta - a credibilidade da Imprensa. (Trecho da matéria "Rabos de Aluguel", de Fevereiro de 1990)
PERFIL
Voltemos no tempo. Em sua estréia em 1954, na Suíça, quando fechava suas matérias por telex ao lado de medalhões como David Nasser, Ricardo Barreto e Romualdo Silva, o foca Armando Nogueira teve uma idéia que marcaria sua carreira definitivamente. Apesar de não ser um repórter fotográfico, gastou todas suas economias em uma Rolleiflex, a dama das câmeras fotográficas na época. No dia do jogo entre Brasil e Hungria, considerada uma das favoritas do torneio, Armando resolveu ir para o vestiário, com sua Rolleiflex em punho, antes do fim do jogo par a entrevistar o jogador Nilton Santos, que tinha sido expulso. "O Brasil foi eliminado e houve tremendo sururu entre os jogadores no túnel que levava aos vestiários. Eu estava lá e fui surpreendido com a briga. Aí levantei minha câmera a apertei o flash eletrônico. Não tinha idéia do que tinha saído". Terminada a confusão, Armando Nogueira foi correndo para o hotel e entregou seu filme para o fotógrafo Angelo Regato, do Diario da Noite. "No outro dia, ele chegou no meu quarto e mostrou a foto. Era o Zezé Moreira (técnico da selecao) jogando uma chuteira. Nos jornais daquele dia tinha outra foto, do presidente da delegação húngara, com a cara cheia de esparadrapo, dizendo que tinha recebido uma `chuteirada: A associação era óbvia . A chuteirada seria do técnico da seleção brasileira". A notícia da tal foto correu rápido e chegou até a concentração da seleção brasileira. Naquele mesmo dia, Zezé Moreira foi procurar Armando no hotel para tentar convencê-lo a não divulgar a imagem comprometedora. Tarde demais. "Eu disse: `não posso fazer mais nada, já mandei para o Brasil '. Ele rompeu relações comigo e só se reconciliou no final da carreira dele, em uma noite de autógrafos do Rio de Janeiro . O fato é que vendi essa foto até para o El Grafico, na Argentina. Contrai um inimigo, mas fiz uma foto que me colocou em evidência na profissão" (Perfil de Armando Nogueira, de junho de 2006)


Não tem salário. Culpa da rainha Elizabeth
Agua-marinha para Sua Majestade causa revolta nos Associados
Por Armando Nogueira
Fernando Morais conta, no excelente livro Chatô, o rei do Brasil, que Assis Chateaubriand assustou a imprensa internacional quando deu, de mão beijada, a seus empregados, um império de 90 empresas : entre elas, jornais, revistas, rádios, televisões, agências de notícias o diabo . O mínimo que se dizia, lá fora, então, é que o homem era um milionário excêntrico, doido varrido. Coisa nenhuma. Chateaubriand era, sim, um homem de exceção. Uma força da natureza. Tinha o gosto da aventura e jamais traiu essa vocação.
Conheci-o nos anos 50 . Eu, repórter, ele, já cidadão do mundo, montado numa biografia de mil caras, cada qual mais fascinante que a outra. Era querido e odiado com igual veemência -e com espantosa intermitência, também. Era de impressionar o fragor com que Chateaubriand entrava no coração das pessoas. Entrava e saía, sempre tempestuosamente. Quem chegasse perto dele dificilmente resistia a seus encantos. Seduzia Deus e o mundo com o talento de seus gestos e, sobretudo, de seu verbo. Tinha o dom do mandachuva em tudo e com todos. Ele próprio, no topo da glória, crismou-se o "cacique da taba Tupi".
Chateaubriand, ou melhor, o doutor Assis, como gostava de ser chamado pelos mais chegados, provocou em mim um sábado de cão que, hoje, relembro sem travo algum, mas que, na época, quase me mata de indignação. A mim e a redação inteira do Diário da Noite: por sinal, o vespertino mais irreverente da cadeia associada. Popularesco até na cor: era impresso num extravagante papel verde-garrafa que, por si só, já degradava a notícia. Um dia, o papa Pio XII, à morte, uma perna gangrenada, o jornal me sai com a manchete: "O Pé do Papa Está Podre!".
Tracei um breve perfil do jornal apenas pra não perder a chance de relembrar uma das manchetes mais despudoradas do jornalismo vespertino brasileiro. Minha história, porém, é outra.
Na época, os jornais preferiam pagar os empregados semanalmente. Todo sábado, de manhã, a redação fervilhava: repórteres, fotógrafos, redatores, gráficos, todo mundo na fila do guichê pra receber sete dias de salário. Ganhava-se uma miséria, mas era melhor que nada. A maioria dos jornais do Rio, então, atrasava o pagamento meses a fio. Alguns pagavam em mercadoria. Eu mesmo, no Diário Carioca, andei recebendo, alguns meses, o valor do meu salário em liquidificadores, colchões de mola, poltronas e até bugigangas que o departamento comercial permutava com os anunciantes...
Num fim-de-semana do ano de 1953, o guichê do Diário da Noite amanheceu fechado. Coisa estranha, pensamos todos. Em pouco tempo, a redação estava lotada; e já fermentando. Explicação, nenhuma. Eis que, a certa altura, entra pelo salão, ventando fogo, Fernando Chateaubriand, diretor do jornal e filho do patrão. Era um rapaz de 30 anos, se tanto. Atlético, sanguíneo . Cara fechada, Fernando sobe numa cadeira pra ser visto por todos. Bate palma, pede um minuto de atenção.
- Quero avisar que não tenho dinheiro para pagar o salário de vocês. Eu tinha o dinheiro, até ontem. Acontece que meu pai passou por aqui, de noite, e raspou o cofre do jornal. Levou o dinheiro de vocês e comprou uma água marinha para dar de presente à princesa Elizabeth que acaba de ser coroada rainha da Inglaterra. Achei isso um a molecagem. Não ponho mais meus pés aqui. Acabo de me demitir da direção do jornal.
Perdoei o dr. Assis, mas não perdôo a rainha Elizabeth . Até hoje Sua Majestade não agradeceu o presente que lhe mandei, com o coração sangrando...
Jogo de palavras
Só conheço um sentimento mais forte que o amor-próprio : o próprio amor.
Os ossos do ofício
Pergunta-me um estudante de jornalismo se o ofício de escrever me dá prazer. Escrever, não; ter escrito, sim . O ato em s i
é penoso . Quem tem apreço pela palavra, como eu tenho, sofre muito. A busca da palavra que seja, ao mesmo tempo, exata e musical, é um parto . Dói muito. O sangue ferventa. Ao fim de cada texto, mesmo um reles bilhete, dou um suspiro de alívio . Sinto-me como Julio Cortázar, para quem o ofício de escrever é esticar o arco até o limite máximo ; disparada a flecha, vai-se tomar vinho com os amigos . . . Por sua vez, o doutor Johnson dizia que só um desmiolado escreve por prazer. . .Um dia, Paul Valéry passeava com André Gide, no jardim botânico de Montpellier.
- A mim - confessa Gide - se me impedissem de escrever, eu me mataria.
- Pois a mim - responde Valéry se me obrigassem a escrever, eu me mataria.





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