segunda-feira, março 29, 2010

O Poeta






Raramente é bom sinal receber uma ligação logo cedo. Foi o que aconteceu hoje e infelizmente, mais uma vez, a suspeita se confirmou; morreu Armando Nogueira.
Tenho a certeza de que os jornais, TVs, sites vão contar a história desse jornalista em detalhes, o que me deixa à vontade para concentrar no impacto que Armando teve em mim.
Armando me fez uma pessoa melhor, o que assumo ser a melhor influencia que um ser humano pode ter no outro. Armando me apresentou um jeito de ser que me fez repensar o meu jeito de ser.
Como já disse, à parte de ser um dos jornalistas mais influentes do país, Armando foi um poeta completo, pois foi poeta na sua profissão, na maneira de escrever e pautar os assuntos que cobria; mas, ainda mais importante e humano, foi um poeta na vida cotidiana, no lidar com as pessoas. E foi aí que ele me cativou de uma maneira doce permanente, definitiva.
Acompanhamos juntos Roland Garros inúmeras vezes, já que nos últimos anos Armando se apaixonou pelo tênis, um esporte que praticava de uma maneira que, digamos, não o deixava exatamente orgulhoso. Orgulho que sentia como tantos de nós em acompanhar Gustavo Kuerten no seu palco principal.
Em Paris, estávamos juntos todos os dias. Ele ficava sempre no mesmo hotel, o Chateau Frontenac, onde era tratado com carinho e reverencia, a poucas quadras do meu, e fez questão de me apresentar alguns dos melhores e mais charmosos restaurantes da cidade. Era um apaixonado pela boa cozinha e por um bom vinho tinto quando não uma champagne.
Ia Paris como turista do tênis e não como jornalista, apesar de que não deixava sê-lo em nenhum momento ou lugar. Costumava ir à mesa onde eu trabalhava na Quadra Philippe Chatrier e esperar que terminasse meu trabalho para acompanhá-lo in loco a algum jogo.
Com uma candura única, me sugeria uma pauta por uma perspectiva que tanto matava a charada e resolvia minha coluna diária, como me fazia realizar que, por maior fosse a minha boa vontade, o escrever para mim era uma aventura sem o charme, o talento e a visão do gênio. Algo como se Roger Federer viesse ao meu treino e me desse alguma dica na esperança de que aquilo que para ele é uma naturalidade o passasse a ser para mim. Eu interrompia o teclar, olhava na sua direção, ali de pé ao meu lado, quase suplicava por um pouco mais de tempo. Ele, que fora o diretor do Jornal Nacional por tanto tempo, um parâmetro na profissão, com sua humildade me atendia enquanto investia seu tempo em encantar outros profissionais por perto. Mal sabia ele que eu odiava perder qualquer minuto da sua companhia.
Poderia contar inúmeras estórias do Armando; do Armando comigo, do Armando com outros, histórias que ele me contou. Histórias interessantes são o que não faltavam quando ele estava por perto. O homem era capaz de transformar o mais mero fato em algo fascinante.
Ele me concedeu o privilégio de escrever a introdução do meu livro sobre Roland Garros e Gustavo Kuerten. No entanto, como já escrevi, o verdadeiro legado do Armando na minha vida, como tenho a certeza de que na vida das pessoas que com ele conviveram, foi nos mostrar que ser uma pessoa agradável, educada, generosa, era infinitamente mais fascinante e importante do que ser um erudito, uma enciclopédia ambulante, uma referencia na profissão, uma lenda em vida. O poeta da do cotidiano era ainda mais fascinante do que o poeta da escrita.
À parte de tudo que se pode escrever sobre suas conquistas profissionais, Armando Nogueira foi um lorde, um gentleman, um ser humano dos bons, dos que sentimos falta. Eu poderia escrever muito mais sobre ele, mas a internet clama pela destreza, pelo em cima da hora e, além do mais, eu não consigo parar de chorar.
Armando Nogueira nas portas de Roland Garros.



Nenhum comentário: