sábado, setembro 19, 2009

Rádio-Ed Número 4

Escrevi antes sobre a busca da ressonancia, e eis que tive um dia nessa semana um dia (e foi a quinta) que eu me senti assim, não com algo que eu tenha emitido, mas com coisas que recebi.


Eu tinha me preparado hoje para fazer um belo pre-âmbulo, onde eu ia linkar, como o que hoje eu sinto, penso, a minha atitude, a minha percepçãone tudo sobre o momento que eu vivia estava demonstrado nesses textos lhes que reproduziria. Mas agora a mente bloqueou e perdi a condição de demonstrar-lhes a teia que minha mente construiu quando li estes dois textos e ouvi a música que também segue...

Um outro dia talvez eu retome, mas por enquanto, segue apenas os textos e a música e o comentário de como de repente me vi neles todos.

“O Beijo da Mulher Aranha”

"Finalmente estamos a sós. Como ninhada desmamada que grita de longe por colo. Somos tristes, contudo, quem mais pode-se dizer feliz, se a crosta terrestre derrete-se lentamente; o céu está estranho. A internet assusta com suas previsões e previsíveis profecias. Precisamos beijar.

Um apanhado de nostálgicos escritores escrevem coisas bonitas, entretanto, a biologia anuncia a decadência da ciência e da poesia. Não há clones humanos; não haverá teletransporte humano. Política mundial, sim, cessará a crise. Comeremos frutas e lagostas.

O sol continuará nascendo e se pondo. Oriente e ocidente se dando bom dia e boa noite em horários diferentes. Depois do sol, o negror.

(Tanto faz, se para o poeta é sempre noite – boêmias cavernas virtuais).

O biólogo beija a astronomia, que flerta com a telecinética; enquanto isso as pernas das prostitutas sentem frio. E levitam seus sonhos neste mundo louco, clima estranho, elas dizem. As coisas mudaram, concluem. Precisamos beijar.

As formigas, ao menos, são um povo organizado, enquanto nós nos cansamos do açúcar. Amargo. Queremos o sabor amargo da violência, afinal, a televisão é para isso.

Desligo o sinal e vou ao cinema. The Spirit, o HQ pode transportar você por enquanto. Velozes e Furiosos 4 poderia fazer-me voar. Mas é em preto e branco que eu encontraria, em Veneza, aquele diretor argentino.

Ou, ainda temos o Hitchcock no banheiro da memória, o box terror, o box! Sua lápide irônica; e os biônicos pênis dos robôs prostitutos da Atlântica.

Ainda são estrelas aqueles pontos lá no céu. É de solidão que queremos falar. Ou queríamos. Quem há de ficar a sós, quando na mão se tem uma caneta! Mas apenas os poetas cantam. Nós, eu, tão somente borro no papel, a perplexidade desses tempos.

Para Manoel Puig"

(publicado por Daisy Carvalho no A Fênix Apoplética Blog da Dai:)

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Dos paradoxos do amor

Olha, um dia eu fui tímida.

Eu sei, você deve estar rindo e desacreditando, mas é verdade.

Eu era tímida que nem você e por isso mesmo você me chamou tanta atenção quando nos conhecemos. Porque você era eu aos 14 anos – só que você já tinha 28…

Com 14 anos me apaixonei perdidamente – pra se apaixonar tem que ser perdidamente – por um rapazinho chamado Duda – já falei nele em outro texto, o do meu primeiro beijo.

Pois bem.

Mesmo depois que nos afastamos, eu continuei a gostar do Duda por um tempão. Aí, vieram os Jogos Estudantis e eu resolvi assistir a todos os jogos dele – e torcer por ele, claro – mesmo ele sendo de outro colégio que não o meu.

Eu ia aos ginásios, via os jogos, torcia pelo colégio alheio, o Duda me via, mas logo que terminava o jogo eu ia embora.

Até que chegou o dia dele jogar contra o time do colégio onde eu estudava. Foi terrível. O placar foi 120 a 20 pro meu colégio, mesmo eu torcendo muito pelo colégio do Duda.

Foi a única vez que, terminado o jogo, me aproximei do Duda, na arquibancada. Fiquei lá, parada, sentada ao lado dele, sem dizer nada diante da cara triste que ele fazia.

Quando cheguei em casa escrevi uma carta, dizendo o quanto lamentava pela derrota e o quanto queria ter dado um abraço grande nele após o jogo.

Passou um tempo e um dia resolvi entregar não só essa, mas todas as outras cartas que escrevia e guardava – fora os poemas de um certo caderno preto… Se eu tivesse quatorze anos hoje, escreveria tudo em um blog!

Depois de ler tudo, o Duda conversou comigo e a coisa mais marcante desse papo ao telefone foi ele dizendo que eu deveria ter dado aquele abraço no dia do jogo, porque ele bem que precisava naquela hora.

Me lembro com nitidez de ter me sentido a garota mais puramente idiota do mundo inteiro naquele momento.

E me lembro de, dali em diante, nunca mais ter deixado passar nada que me desse vontade real.

Hoje é engraçado ver você estranhar o meu jeito atirado, o meu jeito sem jeito de gritar todo esse amor que eu sinto por você, mas saiba que eu te amo porque você, ainda hoje, tem essa timidez que eu tinha aos 14 anos.

E se eu não tivesse deixado de lado a minha timidez seria bem provável que até hoje você não soubesse do que sinto e que um monte de cartas – hoje em dia mails, né? – se acumulassem mais uma vez em minhas gavetas.

Publicado por Luciana no Agridoce
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Sonhos Sonhos São
Chico Buarque

Negras nuvens
Mordes meu ombro em plena turbulência
Aeromoça nervosa pede calma
Aliso teus seios e toco
Exaltado coração
Então despes a luva para eu ler-te a mão
E não tem linhas tua palma

Sei que é sonho
Incomodado estou, num corpo estranho
Com governantes da América Latina
Notando meu olhar ardente
Em longínqua direção
Julgam todos que avisto alguma salvação
Mas não, é a ti que vejo na colina

Qual esquina dobrei às cegas
E caí no Cairo, ou Lima, ou Calcutá
Que língua é essa em que despejo pragas
E a muralha ecoa

Em Lisboa
Faz algazarra a malta em meu castelo
Pálidos economistas pedem calma
Conduzo tua lisa mão
Por uma escada espiral
E no alto da torre exibo-te o varal
Onde balança ao léu minh’alma

Em Macau, Maputo, Meca, Bogotá
Que sonho é esse de que não se sai
E em que se vai trocando as pernas
E se cai e se levanta noutro sonho

Sei que é sonho
Não porque da varanda atiro pérolas

E a legião de famintos se engalfinha
Não porque voa nosso jato
Roçando catedrais
Mas porque na verdade não me queres mais
Aliás, nunca na vida foste minha

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Hoje será difícil entender, mas eu mesmo pouco me entendo...


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