quarta-feira, setembro 23, 2009

Síndromes e psicologices

por LUÍS NASSIF, Coluna de 2005 (republicada no blog)


Dia desses fui atrás do meu neurologista. Julgava ser vítima do transtorno de hiperatividade e déficit de atenção. No ano passado, saiu um livro sobre o tema, que virou best-seller. Já tinham me alertado de que era um embuste, com muito marketing e quase nada de ciência.

Mesmo assim havia um conjunto de fatores que identifiquei em mim. E toca a visitar Daniele Riva, neurologista, filósofo, intelectual sólido. Perdi a consulta, porque não tinha nada, mas ganhei em conhecimento.

É da natureza da medicina a categorização das doenças. É a partir disso que se definem os procedimentos médicos.

Quando se trata de sintomas de comportamento, esse visão “cabeça de planilha” do médico patina. O comportamento pode ser afetado pela educação do indivíduo e, em muito, pelos próprios valores da sociedade moderna. Entre o comportamento “estranho” e a patologia, há um universo de gradações, sem a compartimentalização que caracteriza outros tipos de doença. Só que, nos últimos anos, a praga do marketing passou a assolar a psiquiatria e, com ela, o recurso de categorizar os sintomas.

A dispersão e o esquecimento são características desses tempos de hiperinformação. A mente não consegue processar todas as informações recebidas não por qualquer síndrome do indivíduo, mas porque existe uma superdosagem de informações. Além disso, a formação da maior parte das pessoas visa o sucesso profissional, o que gera ansiedade, dedicação desmedida ao trabalho.

Nossos pais trabalhavam tanto quanto nós e não tinham por hábito o lazer. Hoje esse perfil seria tratado como “compulsão pelo trabalho”, e a busca do lazer, imposta como necessidade médica. Homens namoradores eram tidos como “galinhas”. Hoje, viraram “compulsivos sexuais”, especialmente após o episódio Michael Douglas. O gosto pelo chocolate transforma as pessoas em “chocólatras”. E a gula virou “compulsão pela comida”.

Quando se analisam sintomas de síndromes diversas, se verão muitos pontos em comum. O que parece é que o médico pega um conjunto de características, comuns aos tempos modernos, monta o quebra-cabeça a seu gosto e cria o seu diagnóstico, que pode ser de borderline, síndrome da atenção ou qualquer outra.

Aliás, nos anos 70 tornou-se famosa em São Paulo a história do dono de uma construtora flagrado pela mulher no sofá da sala com a empregada. Sua reação foi um ataque de risos, seguido de uma fuga rápida. Dois dias depois um amigo dele, psiquiatra, procurou a mulher e informou-a de que ele tinha rido devido a um ataque nervoso, de que estava disposto a voltar para casa, mas ela não poderia em hipótese nenhuma relembrar o episódio, pois colocaria em risco sua sanidade mental.

Por trás disso tudo, existe uma rentável indústria do psicologismo, contra a qual os consumidores têm poucas defesas. A subjetividade do tema, o fato de os analistas atuarem em grupos, uns indicando outros, e o receio dos pacientes de denunciar os manipuladores tornam o homem moderno não apenas vítima das doenças modernas mas também dessa indústria da terapia.


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