sexta-feira, dezembro 18, 2009

A Pec dos Precatórios

Por Índio Tupi no Blog do Nassif


Aqui no Alto Xingu, os índios gostariam de encontrar um corretor de Emenda Constitucional, para consertarem a Emenda Constitucional 62/2009, de 9.12.09, promulgada pelo Congresso Nacional em 10.12.09, mais conhecida como “Emenda Constitucional do Calote de Precatórios”, cujas principais inconstitucionalidades estão sintetizadas no comentário abaixo e que merecem, por sua relevância, um “post” à parte:

“”Emenda dos Precatórios: Calote, corrupção e outros defeitos
Marçal Justen Filho
Doutor em Direito (PUC/SP)
Sócio de Justen, Pereira, Oliveira e Talamini

Foi promulgada, em 10 de dezembro de 2009, a EC nº 62, que alterou a disciplina constitucional sobre o pagamento das dívidas judiciais da Fazenda Pública. Não apenas houve a modificação do art. 100 da Constituição, mas também se verificou a inclusão de um art. 97 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Esse art. 97 pretende eliminar os efeitos da coisa julgada e os direitos adquiridos reconhecidos por decisões transitadas em julgado. Elimina o dever de alocação de verbas orçamentárias para a liquidação integral das dívidas.
Sob o pretexto de regularizar o pagamento das dívidas vencidas e não pagas de pessoas jurídicas de direito público, produziu-se um atentado ao Estado Democrático de Direito.
Decisões judiciais transitadas em julgado não precisam mais ser cumpridas. As garantias constitucionais da intangibilidade da coisa julgada e do direito adquirido foram infringidas.
Já me manifestei sobre a essência da proposta (originada na PEC 12/2006) em um parecer, transformado em artigo (Estado democrático de direito e responsabilidade civil do Estado: a questão dos precatórios. Revista de Direito Público da Economia, v. 19, p. 159-208, 2007). As considerações essenciais sobre o tema estão ali contidas (clique aqui para ver o artigo).
No entanto, as inovações trazidas pela EC nº 62 apresentam especial nocividade sob dois ângulos diversos, que exigem especial destaque.
O primeiro reside no art. 97, § 2º, do ADCT, que determina que “Para saldar os precatórios, vencidos e a vencer, pelo regime especial, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devedores depositarão, mensalmente… 1/12 (um doze avos) do valor calculado percentualmente sobre as respectivas receitas correntes líquidas…”.
O dispositivo estabelece porcentuais variáveis, que vão de 1% até 2% das receitas correntes líquidas – cujo conceito é fornecido pelo § 3º do mesmo art. 97(“… somatório das receitas tributárias, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de contribuições e de serviços, transferências correntes e outras receitas correntes…”).
Ora, isso significa tornar irrelevante o montante das condenações judiciais, eis que a alocação de recursos será promovida segundo o critério de uma porcentagem sobre a receita.
Portanto, a elevação das condenações passará a ser algo indiferente. Sucessivas, reiteradas e vultosas condenações não trarão consequência alguma. Nem poderão ser satisfeitas. O Estado nunca satisfará as condenações a si impostas.
Isso é ainda mais grave porque, se o ente político deliberar adotar o sistema de liquidação mediante leilões, aplicar-se-á a regra do art. 4º, I, da EC nº 62. Ali se prevê que “A entidade federativa voltará a observar somente o disposto no art. 100 da Constituição Federal: I – no caso de opção pelo sistema previsto no inciso I do § 1º do art. 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, quando o valor dos precatórios devidos for inferior ao dos recursos destinados ao seu pagamento”.
Ou seja, enquanto o valor total dos precatórios for superior ao montante dos recursos alocados, permanecerá sendo aplicado o critério da destinação de um percentual calculado sobre a receita corrente líquida.
Então e como a sistemática se aplica para precatórios vencidos e por vencer, o resultado é um incentivo à multiplicação do passivo da Fazenda Pública.
A elevação do passivo impede a aplicação da disciplina do art. 100 e assegura ao ente estatal o “direito” de promover a limitação da destinação de recursos.
Portanto, os agentes estatais recebem uma chancela para ignorar a ordem jurídica e promover danos a terceiros. As sentenças condenatórias serão destituídas de maior efeito, já que o valor a ser aplicado será sempre fixo e limitado.
A sistemática “transitória”, prevista no art. 97 do ADCT, somente deixará de ser aplicada quando houver a redução do passivo do ente político. Como não há prazo limite para isso, o regime jurídico previsto para ser transitório poderá continuar a ser aplicado até o final dos tempos.
Desse modo, o Estado poderá promover a invasão de terras privadas sem prévia desapropriação, negar aos servidores o pagamento das verbas devidas, destruir os direitos de terceiros e instaurar o completo descaso para com a ordem jurídica. Será levado aos tribunais e sofrerá condenações … as quais nunca serão liquidadas.
Em suma, a sistemática introduzida pela EC nº 62 equivale à eliminação da submissão do Estado-Administração ao Estado-Jurisdição, ignorando uma conquista essencial à democracia e ao Estado de Direito.
Se isso tudo já é absurdamente inconstitucional, há outra previsão assustadora. Trata-se do § 16 do art. 100, que determina que, “A seu critério exclusivo e na forma de lei, a União poderá assumir débitos, oriundos de precatórios, de Estados, Distrito Federal e Municípios, refinanciando-os diretamente”.
É muito fácil imaginar os efeitos práticos dessa regra, que institucionaliza o tráfico de influências e garante mais uma fonte para a corrupção.
Ao facultar a federalização da dívida, mas apenas em virtude de uma escolha da União, propicia-se toda a espécie de desvios éticos. Surgirão os intermediários especializados na obtenção da facilidade.
Os credores serão achacados para concordarem com a intervenção dos “facilitadores”. Os amigos serão premiados e os inimigos serão pressionados a mudarem de posição.
Em conclusão, a EC nº 62 é uma ofensa à Constituição brasileira e às conquistas da Nação. Apenas se pode augurar que o STF reconheça a sua invalidade e impeça a vigência de regras cuja nocividade é incalculável.
Informação bibliográfica do texto:
JUSTEN FILHO, Marçal. Emenda dos precatórios: calote, corrupção e outros defeitos. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, nº 34, dez./2009, disponível em http://www.justen.com.br/informativo, acesso em [data].”””




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